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CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO STF
por Leonel Farah, quinta, 2 de Fevereiro de 2012 às 13:12
Senhor Ministro Cezar Peluso,
Os avanços enfatizados por Vossa Excelência, no discurso de abertura do ano judiciário, nem de longe alcançam pessoas envolvidas em casos de corrupção e improbidade administrativa. A nação está saturada de denúncias de crimes contra o patrimônio público supostamente cometidos não apenas por políticos, mas também por juízes, desembargadores e servidores do Judiciário. Tais denúncias deveriam ser apuradas e julgadas com absoluta preferência sobre todas as demais, seja para a exemplar punição dos culpados, seja para que não pairem dúvidas quanto à conduta dos acusados injustamente.
Por estarem subordinados aos interesses da sociedade, os investidos em funções ou mandatos públicos devem pronta, integral e permanente satisfação de seus atos. No entanto há, contra os que lesam os cofres públicos, uma enorme profusão de denúncias que dormem há muitos e muitos anos nos inquéritos policiais e nas prateleiras do Judiciário em todo o país. Por que? Que forças seguram esses processos?
Com todo o respeito, senhor Ministro, o seu discurso passou ao largo dessa questão crucial, que é a que mais inferniza os brasileiros e mais prejudica a vida dos que precisam de escolas, saúde, habitação, segurança e outras necessidades básicas. O Judiciário tem o dever de oferecer urgente resposta aos protestos da sociedade, em forma de ações e resultados concretos. Se e quando isso acontecer, aí sim Vossa Excelência poderá dizer, como disse, que os brasileiros confiam na justiça. Caso contrário, prevalecerá e crescerá a já deprimente sensação de impunidade contra os açambarcadores do dinheiro público, que se tornam cada vez mais ousados e cinicamente escarnecem da indignação da sociedade contra os seus crimes, por se sentirem protegidos e inatingíveis. Daí porque recair também sobre o Judiciário o descrédito generalizado que atinge os políticos, indistintamente, embora haja pessoas da maior dignidade – entre as quais, sem dúvida, inclue-se Vossa Excelência – em todos os poderes e esferas da República.
O seu discurso, senhor Ministro, teve por motivação desmentir a existência de crise no Judiciário, em razão dos protestos levantados por magistrados e associações representativas deles contra as ações moralizadoras da corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ilustríssima ministra Eliana Calmon, aplaudida calorosamente pela opinião pública em razão da notável coragem e senso de responsabilidade na missão, que ela acredita ser sua e de todo o Judiciário, de livrar o Brasil da ação nefasta dos "bandidos de toga". O que se questiona, na ação de Eliana Calmon, é se o CNJ tem ou não o poder constitucional de avocar poderes de correição atribuídos originalmente aos tribunais de Justiça estaduais. Tudo está a indicar, pela manifestação de alguns de seus ministros, que o STF dirá que não.
Mas, diante da negativa, como ficaremos? Como ficaremos, se pesa contra as corregedorias estaduais a acusação de serem tão inoperantes, na apuração e punição de ilucitudes que envolvem magistrados, quanto é a justiça comum em relação aos crimes de improbidade e corrupção dos integrantes dos demais poderes? Eliana Calmon achou certo que o CNJ agisse nos casos em que as corregedorias estaduais não agem. Se ela está errada, quem efetivamente fará o trabalho que seus questionadores dizem não ser dela? Poderá o CNJ – ao menos isso – chamar às falas as corregedorias estaduais? Poderá obrigá-las a agir? Poderá responsabilizar, e punir exemplarmente, corregedores lenientes, lerdos, omissos, corporativistas, ou qualquer que seja o qualificativo a ser dado aos que não cumprem com o seu dever? Se não, se nem tal função disciplinadora for reconhecida como atribuição do CNJ, volta a pergunta: como ficaremos?
Vossa Excelência, com toda a razão, alinha em seu discurso uma série de argumentos para demonstrar que "nestes quase 7 anos de atuação, com gestores e colaboradores de diferentes perfis, o CNJ tem sido propulsor do desenvolvimento do Poder Judiciário", sendo tal atuação "decisiva" para os inegáveis progressos alcançados. Vamos lembrar, porém, que a Emenda Constitucional que instituiu o CNJ levou 12 anos para ser aprovada, entre outros motivos porque enfrentou fortíssima e indignada resistência de magistrados que se organizaram nacionalmente e chegaram a promover, até, em todas as sedes de comarcas brasileiras, um dia nacional de protesto e de "conscientização" das comunidades contra o "controle externo" que, no seu dizer, levaria a Judiciário a perder sua independência.
Agora, quando uma eminente integrante do próprio Judiciário, como corregedora do CNJ, procura levantar o véu de fatos que muitos pretendem manter ocultos, há novamente uma insurgência nacional de magistrados contra essa atitude desassombrada que merece – e tem – o apoio incondicional da sociedade brasileira. A pergunta que fica, em todas as cabeças conscientes deste país, é o que realmente pretendem os insurgentes, e a que causa eles servem, quando questionam a constitucionalidade das ações da ministra Eliana Calmon. Pois, se ela estiver errada quanto à forma, certamente não está quanto ao mérito da intenção moralizadora. Isso é o que importa, e é essa a satisfação que o Judiciário, por qualquer que seja a forma, se obriga a dar ao Brasil.
Todos sabemos, senhor Ministro, e Vossa Excelência e seus pares sabem mais do que ninguém, que a crise é muito mais profunda do que divergências de interpretação quanto às atribuições constitucionais desta ou daquela instituição. A crise é o históricamente crônico, exasperante, insuportável sentimento de impunidade, contra todos os que se servem do poder para obter benefícios pessoais que mais e mais escandalizam todas as camadas da sociedade brasileira.
E é o Judiciário que tem a atribuição de coibir essas práticas severamente, permanentemente, corajosamente, urgentemente, preferencialmente sobre todas as outras, porque são elas que estão na raiz de 500 anos de atraso. Já perdemos tempo demais discutindo essa questão. E a hora não é mais de discutir, mas de agir. Dentro da lei, sim, mas agir. Tudo o que o Brasil quer é que as nossas instituições – a começar pelo Judicário, como guardião do cumprimento das leis – parem de encontrar pretextos para cruzar os braços diante de tão vergonhosa situação.
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